terça-feira, março 15, 2011

O HOMEM SUL-RIO-GRANDENSE

Como resultado do caldeamento das três raças, branca, vermelha e negra, surge o homem sul-rio-grandense, também chamado genericamente de gaúcho.
Os brancos eram, até 1823, portugueses, brasileiros, sendo estes oriundos de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Curitiba e Laguna, espanhóis, ilhéus (açorianos e madeirenses). Mais tarde chegaram os imigrantes alemães e italianos. Há o registro de outras etnias brancas européias no caldeamento do gaúcho, mesmo que com menor expressão, como os poloneses, os ucranianos e os judeus.

Os vermelhos eram os primeiros habitantes desse território, representados pelas diversas tribos indígenas. A eles são atribuídas algumas características do gaúcho, tais como o apego à terra, o gosto pela liberdade e hábitos como o do chimarrão, do uso do laço e das boleadeiras, mas uma das contrições relevantes dos indígenas está na adoção da língua especialmente para identificação de acidentes geográficos.

Os negros, escravos, trazidos pelos portugueses e pelos brasileiros, mesmo que tivessem sido utilizados nas estâncias e nas cidades, tiveram a maior concentração nas charqueadas do litoral sul, especialmente na região de Pelotas, a partir de 1780. O negro foi excelente peão de estância, domador, laçador e carreteiro. Nas guerras o negro sempre entrou à força e apesar disso, sempre foi excelente soldado. Como em outros lugares, aqui também o negro se insurgiu contra a escravidão e formou diversos núcleos quilombolas.
Do negro herdamos pratos da culinária, como a feijoada o mocotó e o quibebe. Do linguajar foram incorporadas palavras como cacimba, sanga, matungo e xerenga. A dança do bambaquerê, o tambor e o Batuque ou Nação, são de origem africana.

Borges Fortes descreve assim o gaúcho:
“O tipo humano rio-grandense é trabalhador, audacioso, empreendedor e alegre. Alimenta-se bem, abriga-se bem. É sentimental e extremamente apegado à sua terra. Tem, às vezes, sentimentos exagerados; capaz de reações violentas e de atitudes enternecedoras.
Sua alma de brasileiro não sofre nenhuma restrição em face do grande amor ao torrão gaúcho. É patriota e dedicado aos interesses nacionais coletivos.”

No geral, os costumes do sul-rio-grandense são simples. No Rio Grande do Sul não se formou nenhuma casta de grandes senhores, mesmo diante das diferenças sociais oriundas do acesso à terra e aos bens, tanto proprietários e detentores do capital, quanto operários e peões desfrutam dos mesmos sentimentos de liberdade, igualdade e respeito mútuo.
A descrição que Manoelito de Ornellas faz do gaúcho da pampa, comparando-o ao “beduíno”, nos dá uma visão bastante clara de como era constituída a sociedade inicialmente formada no Rio Grande do Sul:

“Se partir para a guerra, já não lhes ficavam a china e os piás à espera do regresso. (...) Nada mais parecido à tenda do deserto do que esse lar de improviso, que não criava raízes nem compromissos com a terra. O gaúcho jamais teve a preocupação do conforto, que podia ver e observar no antepassado europeu. Não herdou a tendência agrária, a arte da cerâmica ou ainda algumas formas rudimentares de indústrias de outros índios sul-americanos”.
O mesmo autor prossegue na descrição do gaúcho, tratando da formação da personalidade que o caracterizava, afirmando:

“Cada família e dentro de cada família cada individuo bastava-se a si próprio, graças aos recursos do meio ambiente excepcional, uma vez que o homem contava com o cavalo como meio de locomoção e com os rebanhos de distintas espécies como base de sustento. (...) como os árabes, desprezava e subestimava a agricultura, que exigia esforços e atenções permanentes. Todas as suas atividades derivavam de sua obrigatória condição de pastor e ginete. Daí a vocação nômade”.

Percebem-se, pois, notadas diferenças entre o homem da campanha (gaúcho primitivo) e aquele que veio habitar as regiões da agricultura de pequenas lavouras – o colono. As diferenças entre os dois tipos sociais não se restringem ao aspecto da agricultura, mas se estende para a “ética do trabalho”, envolve a questão religiosa e de vinculação com a igreja, atinge o sistema de vínculos intrafamiliares e o comportamento social dos indivíduos.

A primeira “intromissão” no meio do gaúcho primitivo se dá com a chegada dos casais açorianos que, mesmo adaptando-se a vida campeira e desviando o objetivo inicial de cultivo da terra, implantou o modelo de fixação da família numa propriedade. Depois vieram os colonos europeus que absorveram muitos hábitos e algumas características da personalidade do gaúcho primitivo, dando a este, em troca, a sua contribuição cultural e o seu método de trocas e de comércio.

Não há como contestar ou ignorar que o gaúcho foi sendo moldado com o tempo. O intercâmbio comercial, a miscigenação racial e a troca permanente de experiências entre as diversas comunidades já estabelecidas ou recém criadas, proporcionaram as condições para o surgimento de um novo gaúcho, com as mais variadas heranças culturais.
Os europeus das etnias alemã e italiana, que aqui aportaram, têm hábitos semelhantes. São patriarcais em seus costumes familiares. São fortemente religiosos, comemorando as datas festivas de seus antepassados e cultivam a convivência social em torno das igrejas e dos grandes salões comunitários.

Aos imigrantes alemães devemos as festas do Kerb (três dias e três noites de festa na consagração das igrejas), as casas no estilo enchaimel, o jogo do bolão, a popularização do teatro de fantoches, a salsicha, o chucrute, a chimier, o café colonial com suas cucas e tortas, o requeijão, o xote ou chote carreirinha e várias canções.
Os italianos chegaram ao Rio Grande do Sul a partir de 1875. A data oficial da imigração italiana é 20 de maio de 1875, mas antes disso já haviam chegado muitos imigrantes que se fixaram em Porto Alegre e na atual região metropolitana.
Inicialmente foram criadas as colônias de Dona Isabel (hoje Bento Gonçalves) e Conde d’Eu (hoje Garibaldi). Em 1875 foi criada a colônia chamada de Fundos de Nova Palmira, que em 1877 passou a chamar-se Colônia Caxias (atual Caxias do Sul).
Em 1877 foi criada a quarta colônia, ocupando terras de matas nas proximidades de Santa Maria, surgindo assim a Colônia Silveira Martins.
Para a formação da sociedade gaúcha, é relevante a observação que fazem Dorvilio Costa e Luís de Boni:

“A região de colonização italiana no Rio Grande do Sul, ao contrário da quase totalidade dos grandes centros de imigração italiana no mundo, compunha-se principalmente de famílias. Em outras partes, como, por exemplo, em São Paulo, na Argentina, nos Estados Unidos e até no norte da África, encontram-se números elevados de solteiros e de casados que deixaram as famílias na Itália e partiram sós”. Essa característica explica, em parte, a preservação dos hábitos, dos costumes e dos dialetos italianos no meio gaúcho.
O imigrante italiano tinha forte sentimento religioso com suas festas religiosas e seus capitéis, os pratos típicos como a polenta, as massas, os embutidos a base de porco, queijos, manteiga, o pão de trigo e muitas saladas. As uvas e os vinhos são típicos da região de colonização italiana. A indústria vinhateira se constituiu na mais importante produção agrícola, contribuindo grandemente no acumulo de capital que proporcionou, juntamente com o acumulo resultante dos lucros do comércio, a instalação do parque industrial.
O jogo da mora, os jogos de cartas com baralho espanhol como a “bisca”, o “trissete”,o “quatrilho” e a “escova”, o jogo da bocha, o “filó” e as cantorias são elementos importantes de socialização dos imigrantes italianos.
De uma forma simples podemos dizer que o gaúcho não é uma etnia genética, mas se tornou uma “etnia cultural” resultado da perfeita miscigenação das diversas etnias que aqui estavam ou se estabeleceram a partir de 1624.
Fonte: IGTF. Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore

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