quarta-feira, fevereiro 02, 2011

Um encontro com um símbolo do Brasil de Bombachas

No sábado à tarde, cheguei à casa do agricultor, comerciante e gaiteiro João Rohleder, 65 anos, em Humaitá, uma cidadezinha à beira do Rio Madeira, no Amazonas. A imagem dele com uma gaita debaixo de um dos braços foi utilizada para ilustrar a capa da série Brasil de Bombachas. Um conjunto de reportagens, depois transformado em livro.

Na ocasião, acompanhando pelo fotógrafo Ronaldo Bernardi e pelo motorista Dorli Fagundes, o Faísca, escrevi a história dos gaúchos que povoaram as terras ao norte do Rio Uruguai e arredores. Agora, com o fotógrafo Mauro Vieira e o motorista Everton de Jesus, estou cruzando os mesmos caminhos que andei em 1995 para escrever sobre o futuro do Brasil de Bombachas.


E claro que este encontro é parte importante da nova história. Logo que chegamos até a casa dele, nas primeiras palavras que trocamos, o João perguntou:
— E aquele povo que te acompanhou aquela vez. Onde anda?
Depois de sorver um gole de chimarrão, eu disse:
— Lá por Porto Alegre.
Nesta época do ano, chove todos os dias na Selva Amazônica. O nosso encontro foi durante a chuva. No final do ano passado, liguei avisando que estava vindo, e ele colocou a seguinte condição para falarmos:
— Vai lá na casa do Antônio Gringo e pede que ele me mande uns CDs.
Antonio Gringo é um afamado compositor e cantador da música gaúcha de raiz. Fui até a casa dele, no interior de Estrela, e transmiti o recado. Ele embrulhou com papel os CDs e mandou um emocionado abraço ao João. No sábado, em Humaitá, a primeira coisa que fiz foi entregar a encomenda. O gaiteiro rasgou o embrulho e comentou:

- Baita presente! Para os gaúchos que estão fora do Rio Grande do Sul, a música de raiz é muito importante porque ela fala do cerne da nossa cultura.
Parece que os 16 anos não passaram para João. As marcas físicas deixadas pelo tempo são pequenas. Continua a mesma pessoa: contador de “causos”, de piadas, e um dos gaiteiros mais requisitados da região. Antes de migrar para Humaitá, em 1970, ele tocava nos bailes em São Borja e na costa Argentina. Perguntei o que aconteceu depois que foto dele virou capa do Brasil de Bombachas. Ele disse:

— Fui e ainda sou procurado por gaúchos espalhados por todos os cantos do Brasil.

Com a condição de que não levássemos equipamentos de filmagem nem blocos de anotações, ele marcou um jantar na noite de sábado no bar de um dos amigos. De bombachas, alpargatas e acompanhando pela esposa, Jurema, e pelo neto, Joaquim, um menino esperto, João chegou para o jantar. Perguntei o motivo da exigência de deixarmos os equipamentos no hotel. Respondeu de uma maneira direta:

- Se as pessoas da cidade me vissem aqui sendo filmado por vocês, iriam pensar que estou tentando me exibir. Amanhã, vocês trabalham. Hoje, vamos jantar e colocar os assuntos em dia.
O domingo amanheceu nublado. E, logo nas primeiras horas do dia, começou a chover forte. No meio da manhã, chegamos ao sítio da família para comer um churrasco, arrematar a conversa com o João e fazer as fotos. Enquanto o cheiro de carne assada inundava o galpão, a voz dele foi ficando emocionada. Foi quando pegou a gaita e o Mauro, o violão. Durante duas horas, os dois cantaram músicas de raiz da cultura gaúcha.

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